O estádio de São Januário completa noventa anos. Isso pode ser visto como motivo de orgulho para os vascaínos, pois, em pleno século XXI, ainda somos o único dos quatro grandes clubes do Rio de Janeiro a possuir um próprio estádio construído com o dinheiro de sua torcida. São Januário foi palco de grandes acontecimentos históricos, como alguns discursos presidenciais de Vargas, desfile de escolas de samba e etc. Porém a sua construção é marcada por fatos relevantes ao desporto nacional.
Em 1924, houve uma discussão a respeito das regras do campeonato sobre a fórmula de disputa, onde os clubes teriam que votar quais as regras a serem aplicadas naquele ano. Dos 38 clubes participantes da assembléia, 21 votaram para pela continuação do campeonato com os mesmos critérios e pela consequente manutenção das regras. Estava, assim, assinada a sentença de cisão do futebol carioca. O dirigente do Fluminense, Mário Pólo, assumiu a tribuna e, falando em nome da coligação formada pelos cinco grandes, América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense, anunciou o rompimento com a Liga e criação de uma nova entidade a AMEA, logo reconhecida pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos, atual CBF). Essa atitude visava atingir principalmente o Vasco e outros clubes pequenos que possuíam atletas negros e mestiços e ainda praticavam o amadorismo marrom (caso do Vasco).
Art. 64
Poderão ser inscritos os sócios dos clubes filiados, que, sem o intuito de lucro, pratiquem os esportes superintendidos pela AMEA.
Art. 65
Não poderão, porém ser escritos:
- os que a troco de dinheiro, tenham tomado parte em festas, partidas e campeonatos ou concursos esportivos de qualquer natureza, dentro ou fora do país;
- os que tirem os meios de subsistência de qualquer profissão braçal, considerando como tal a que se predomine esforço físico;
- os que direta ou indiretamente tirem proveito da prática do esporte;
- os que já tenham tomado parte em qualquer prova das quais participem profissionais;
- os que se entregam a exploração de jogos de azar, ou viverem da sua prática;
- os que não forem reconhecidos amadores pela entidade máxima a quem competir a direção do esporte no Brasil;
- os que não saibam escrever e ler corretamente;
- os pronunciados, enquanto durarem efeitos da pronúncia, os condenados por crimes capitulados no Código Penal, e os culpados mediante provas irrecusáveis de atos imorais ou desonrosos;
- os que habitualmente não tenham profissão ou empregos certos;
- os que exerçam profissão ou emprego subalternos; tais como: contínuo, servente, engraxate e motorista;
- os que exerçam profissão ou emprego que exija, permita ou facilite o recebimento de gorjetas;
- os praças de pret (soldados, cabos e sargentos), excentuando-se, porém, os aspirantes a oficial e os alunos de Escolas Militares, os sargentos e desligados do tempo de serviço obrigatório. (SANTOS & SILVA, 2006, p. 97, 98).
Essas medidas buscavam efetivamente prejudicar o Vasco, que possuía na sua equipe jogadores negros, mestiços e pobres, que não tinham acesso à escola e muito menos a um trabalho que não fosse proibido pelo estatuto. Tratava-se de uma medida preconceituosa e racista por parte das elites futebolísticas que comandavam o futebol do Rio de Janeiro na época, onde a questão racial não era lateral, mas uma das principais motivações para a crise que se instalou no futebol carioca daquela época. Segue um trecho do livro de Santos & Silva: Não utilizavam uma linguagem explícita contra os negros e mestiços e por esta razão há necessidade de se realizar uma análise de metáforas aplicadas para redescrevermos o processo de discriminação silenciosa. (SANTOS & SILVA, 2006. p. 40).
Porém, em 1925, um ano depois da saída do Vasco do seio dos grandes clubes, o dirigente do Botafogo, Carlito Rocha, conseguiu dobrar a resistência dos fundadores da Amea e o Vasco foi, enfim, aceito na entidade, tendo alegado aos dirigentes dos clubes grandes que não poderiam mais ignorar a importância do clube vascaíno dentro e fora dos gramados. Sem o Vasco, perdia-se dinheiro, competitividade e interesse de uma parte da cidade nos jogos da Liga principal (Amea). Porém, a única exigência feita aos dirigentes cruzmaltinos foi que os vascaínos evitassem jogar suas partidas no acanhado campo da Rua Moraes e Silva. Nossos dirigentes, então, fizeram um acordo com o Clube Andaraí e passaram a mandar seus jogos no seu estádio da na Rua Barão de São Francisco Filho, onde atualmente está erguido o Shopping Iguatemi. Mesmo assim, o preconceito não foi extinto, pois o então presidente da CBD, Oscar Costa, ignorou os avanços alcançados com a permissão do Vasco na Amea e solicitou ao técnico Guimarães (técnico da seleção brasileira) que não convocasse jogadores negros e mulatos para disputar o Sul-Americano, onde os campeões foram os argentinos.
Os dirigentes do Vasco sabiam que, para poder se consolidar de vez o nome no cenário carioca e brasileiro sem tomar mais um golpe “baixo” das elites futebolísticas da época, teriam que construir um estádio à sua altura, um que fizesse do Vasco o maior de todos. Motivados a mostrar a sua força, os torcedores vascaínos se mobilizaram para construir um “templo” grandioso, instituindo, assim, uma chamada “vaquinha”. Cem mecenas para ajudar o Clube, centenas de humildes funcionários de bares, operários, caixeiros e membros da colônia portuguesa deram o que tinham para ajudar.
Porém, para erguer o estádio de São Januário no terreno que fora cedido por D. Pedro I à sua amante, a Marquesa de Santos, o Clube teve que enfrentar vários obstáculos. O próprio presidente da República à época, Washington Luís, não permitiu que o Vasco importasse cimento belga, como fora feito na construção do Jockey Club. No Brasil, ainda não se fabricava o material com boa qualidade.
Apesar das adversidades, São Januário foi inaugurado em tempo recorde. A pedra fundamental foi lançada pelo prefeito do Rio, Alaor Prata, em junho de 1926. Depois de dez meses, o Vasco se gabava por possuir o maior palco da América, com capacidade para quarenta mil espectadores. Mais que isso, um marco na construção civil do país. Levantado pelos arquitetos Christian e Nielsen, a obra se valeu de 6.600 barris de cimento e 252 toneladas de ferro para dar sustentação. Misturava-se uma pá de cimento com duas e meia de areia e três de pedra britada (criatividade utilizada até hoje), fazendo com que houvesse quem desconfiasse da segurança da marquise. Para muitos, o projeto do arquiteto Ricardo Severo era arrojado demais, mas a construção se mantém de pé até hoje. Sua inauguração ocorreu em 21 de Abril de 1927, num jogo entre Vasco e Santos, vencido pela equipe paulista por Cinco a Três (5×3).
É incontestável a importância deste palco para o esporte brasileiro. Sua história fala por si só. Entretanto, desde a década de 90 é falado em um projeto para sua modernização. Ocorre que até os dias atuais nada foi feito. É salutar o orgulho vascaíno pela sua casa, porém quero levá-los a uma reflexão. Não seria melhor construir um outro estádio no lugar do antigo? É muito difícil (acho que pela cultura) se demolir algo com o qual as pessoas possuem algum tipo de afetividade. Parece que nós gostamos e cultuamos coisas velhas, detestamos o novo. Todavia, é mais do que visível que São Januário é um estádio ultrapassado e que não atende, nos dias de hoje, aos parâmetros da demanda, já que ter um estádio se transformou em uma fonte de renda considerável. Quem conhece São Januário sabe que ele não atende a expectativas.
O Palmeiras deu um salto de qualidade em sua receita ao “demolir” o antigo Palestra Itália em detrimento de uma arena moderna e confortável. O faturamento do coirmão paulista hoje em um jogo é infinitamente maior do que outrora. Eu sei que, para os vascaínos, é difícil abrir mão deste peso histórico do mítico estádio, mas não dá para continuarmos mais atrás de nossos rivais. Se o Vasco quiser voltar a ser pioneiro, altaneiro e protagonista dentro do país, quiçá a nível internacional, isso passa pela “construção” (demolição) de nosso estádio. O interessante a ressaltar é que a atual diretoria, na figura de seu Presidente Eurico Miranda, já disse algumas vezes que NÃO TEM NENHUM projeto para a modernização (demolição) de São Januário. Alguma novidade?
Viva São Januário, porém “nosso velhinho” precisa de uma transformação.
Obs 1: Muito bacana ver a oposição se unindo em torno de uma única candidatura para concorrer nas próximas eleições. Entretanto, quando vi a figura de Olavo Monteiro de Carvalho junto, desanimei automaticamente. Este senhor é um dos homens mais ricos do Brasil e NUNCA colocou um centavo no clube. Possui várias empresas e JAMAIS colocou alguma delas para patrocinar o Vasco. Esteve junto a Roberto Dinamite (na pior administração da história do clube) e não fez nada. Vá catar coquinho, Olavo!
/+/ Saudações Vascaínas /+/
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