20 de dezembro de 2000, 22h30. Toca o telefone de casa. Do outro lado da linha, um grande amigo meu, rubro-negro, fala a frase mais defenestrada por qualquer torcedor vascaíno no final do Século XX:

– Vice de novo!

Normalmente eu devolveria a provocação, argumentando que, na verdade, é o time dele o maior vice-campeão da História, mas, naquele instante, faltavam-me forças. Pudera: mal acabara o primeiro tempo do jogo final da Copa Mercosul e o Vasco era ATROPELADO por um igualmente forte Palmeiras – certamente o nosso maior rival entre os anos de 1997 e 2001 – por impiedosos 3 a 0! E na antiga casa alviverde!

Desliguei o telefone e voltei para a frente da TV da sala quase que em estado letárgico. Não que duvidasse do potencial daquele timaço de Romário, Euller, Juninho Paulista e Juninho Pernambucano, dentre outros que, no último par de anos, havia conquistado uma Taça Libertadores da América, um Campeonato Brasileiro (caminhava para outro, poucos dias depois), um Torneio Rio-São Paulo, um título estadual e que disputava então sua 9ª final em 3 temporadas. Mas nem o vascaíno mais otimista poderia considerar, naquele momento, a possibilidade de uma virada.

Começa o segundo tempo e, ainda incrédulo, assisto a dois baixinhos se agigantarem em campo: Juninho Paulista conquista dois pênaltis, ambos convertidos por Romário. A transmissão da TV foca no até então desconhecido Caíque, torcedor vascaíno que se benzia de modo alucinado com um galho de arruda e ostentava no peito um cartaz com uma palavra tão adequada quanto absurda para a ocasião: FÉ!

20181125_144725

Eu e o agora famoso Caíque, nas proximidades de São Januário

Mas como a fé move montanhas, ainda seria preciso escalar outro enorme obstáculo: nosso zagueiro Júnior Baiano, que já havia cometido um pênalti no primeiro tempo, foi expulso a pouco mais de 10 minutos do fim do jogo! “Agora sim acabou”, pensei, desolado. Só que aquela noite desafiava a lógica dos mais céticos: Romário, quase sempre preciso, cometeu o erro mais iluminado de sua carreira: seu chute equivocado terminou em assistência milimétrica para Juninho Paulista empatar a partida!

Meu Deus! 40 minutos do segundo tempo e o Vasco já conseguira o improvável! Àquela altura, eu esfregava os olhos, como se precisasse expandi-los para ampliar a visão do Paraíso que se apresentava como miragem no televisor da minha sala.

Eis que, já nos acréscimos, o devaneio transformou-se em realidade: Viola, que entrara muito bem após o intervalo, se atrapalha com a bola, que sobra novamente para Juninho Paulista. Desta vez, é a finalização imprecisa do camisa 10 que vira passe para Romário concluir: 4×3.

Quando o árbitro encerrou o jogo e o Vasco da Gama sagrou-se campeão da Copa Mercosul de 2000, há exatos 18 anos, este incrédulo vascaíno finalmente aprendeu uma lição: nunca mais duvidar do TIME DA VIRADA!

FB_IMG_1544096858303

Ah, lembram daquele meu amigo rubro-negro? Receoso de ouvir alguns impropérios, não atendeu ao meu telefonema após o jogo. Tolice: eu só queria lhe responder educamente, a la Romário:

– Vice é o caramba!

/+/ Saudações Vascaínas /+/

Mauro Amorim Filho
Cronista, Gaúcho de nascimento e criado no Rio de Janeiro.
Servidor público e pós-graduado em Direito, este filho e neto de portugueses herdou deles o amor pela Pátria-Mãe e pelo Club de Regatas Vasco da Gama.
O sentimento foi evidenciado pela primeira vez no dia 19 de junho de 1988, quando, ainda menino, viu pela TV um certo Romário abrir o caminho da vitória e do título estadual sobre o arquirrival.
Desde então, esse menino cresceu e, com ele a paixão pelo Gigante da Colina, tanto na admiração por muitos ídolos que passaram por São Januário quanto pela alegria com as inúmeras glórias alcançadas pelo time da Cruz-de-Malta.
Amante das letras, Mauro traduz em verso e prosa o traço de união Brasil-Portugal tão bem delineado pelo Vasco.